sexta-feira, 18 de abril de 2008

Os filhos

Vinheta escrita pelo escritor uruguaio Eduardo Galeano em Dias e noites de amor e de guerra, novembro de 1978...
- Há onze anos, em Montevideo, eu estava esperando Florencia na porta de nossa casa. Ela era muito pequena, caminhava como um ursinho. Naquela época ficava pouco tempo com ela, trabalhava muito dia e noite no jornal e na universidade. Pelas manhãs, dormida ainda, a beijava e quando regressava, as vezes trazia balas, chocolates ou brinquedos.
A mãe não estava naquele dia, no final da tarde, eu esperava na porta de casa a chegada do ônibus que a trazia da creche.
Chegou muito triste. Não falava. No elevador, escondia a cara. Depois deixou que o leite esfriasse. Olhava para o chão.
Sentei-a no meus joelhos e pedi que me falasse o que estava acontecendo.
Ela não quis.
Acariciei-a, beijei a sua testa.
Escorregou uma lágrima. Com o lençol, sequei a sua cara.
Então, voltei a pedir-lhe: Conta, por favor.
Ela contou que a sua melhor amiga havia-lhe dito que não gostava dela...
Choramos juntos, não sei quanto tempo, abraçados os dois, ali, na cadeira.
Eu sentia o machucado que Florencia iria sofrer ao longo dos anos e gostaria que Deus existisse e não fosse surdo, para poder rogar-lhe que me desse toda a dor que lhe tinha reservado...

5 comentários:

Helô disse...

Quantas vezes fazemos nós o mesmo pedido a Deus... Ele parece não escutar (acho que está ficando surdo, deve ser a idade).

Gracias por esse momento de poesia.
beijo

Wine Broker disse...

Helô, eu estou tão arrasado pela tragédia, que resolvi transcrever este texto do Galeano...
Um abraço e fiquei contente ao saber que gostou. é muito doce...

Helô disse...

Ruben, que tragédia???

Helô disse...

Não me assus, hombre! Estás falando da menina assassinada?

Wine Broker disse...

Olá Helô, sim, estou falando da menina. Deixando a um lado a mídia, é um assunto do cotidiano, em São Paulo, tudo o mundo fala disso.

Um abraço